domingo, 7 de outubro de 2007

mutilação e outras dores


mutilação e outras dores 
© Sílvia Dias
(2007)



Não nego que há razões para me sentir tão . Não é original, mas encaixa perfeitamente em mim. Nesta que sou esta noite. Não o nego, mas porque é que insistimos em alimentar tamanha dor? Mantenho o quarto fechado, sem luz e com uma deficiente circulação de ar. Deixo o monstro crescer. Sou eu.

Não te pedi que fosse assim e também não me arrependo que assim seja. Afinal, que sei eu sobre cruzes e mártires? Sei que tu te manterias pregada à tua, mesmo que tivesse a perfeita lâmina para te cortar as amarras. Queria saber apagar memórias, lamber feridas, cortar gangrenas. Podia-te curar os pulsos e todos os pedaços de carne que tens mutilado. Traços finos com lâminas enferrujadas, sem regras de simetria. Rompes a fina pele com o mesmo sentido caótico que te rompeu a alma – e ela existe mesmo? Mas que tenho eu para te ensinar se nunca saí deste útero? Sou um parto que nunca aconteceu. Seja lá o que isso for.

O frio ainda não chegou em força, mas por aqui já puxamos as meias até aos joelhos e enrolamos cachecóis de tecido polar ao pescoço. Quando é que este sótão se tornou tão glacial? Lembro-me que era Verão e que precisava de ventoinhas para conseguir dormir. Hoje não posso passar a noite sem o edredon de penas. O meu corpo deixou de se aquecer pelos métodos naturais, talvez tenha morrido na ponta de uma das tuas lâminas.

Gostava de ter sido como a Frida Kahlo. Ainda há tempo?