quinta-feira, 26 de julho de 2007

o tempo que se apaga


sem título
(Carnaval de 1992 - Arganil)

© Branca Dias


Recordo vagamente as horas que passou lá por casa. Corridas no terraço e birras ciumentas. As birras serão sempre minhas. Recordo as primeiras palavras e os números que me assustavam (que ainda assustam). Mas recordo pouco. Não queria perder a memória com o arrastar do tempo, mas acho que a sua imagem se foi tornando difusa ainda antes de partir. Até a última vez que nos cruzámos se apresenta nublada na minha mente – enchi a memória de pormenores banais, de pessoas vazias, para te roubarem o lugar. Não ousei tocar-lhe o rosto, mas sei que devia. Era o beijo da despedida, aquele que nunca existiu. Éramos inocentes e meninos. Hoje sou mulher e ele vem em biquinhos dos pés, no seu entusiasmo adolescente onde o seu tempo parou, espreitar-me por cima do ombro. Hoje mantenho-me criança e podia correr novamente pelo terraço. E fazer beicinho.