sábado, 22 de março de 2008

é sempre o tempo


Identificação
© Sílvia Dias
(2007)



Não posso sentar-me aqui muitas mais vezes. Se repousar as mãos sobre a secretária, o meu rasto ficará marcado no pó que não é limpo há meses. Onde tens estado? Eu não durmo, juro-te que não durmo, porque não chegas. Fico apenas aqui, sentada, à espera. À espera. Estou prestes a levantar-me, sabes. Amanhã já não estarei aqui, ou pelo menos assim o espero. Quero fechar os olhos e descansar. Tenho a cama feita, com lençóis escrupulosamente limpos e engomados, em que nenhum corpo ainda tocou. Mas não me posso demorar mais. Mais uns minutos e todos ignorarão a minha existência. É da hora. Chega a um ponto em que todos nos ignoram, se ficarmos muito tempo na mesma posição. Passamos a ser silhuetas, daquelas boas de se fotografar. Pensando bem, já que nunca tinha pensado nisto, até nem era má ideia. Mais a mais, já é hábito, era só uma questão de reconversão. Amanhã posso ser outra pessoa. Vou ter novamente os cabelos longos, como quando me conheceste, e vou fotografá-los sempre molhados. Depois aproximo-me sorrateiramente e sento-me aos teus pés, de costas para ti, para que me possas pentear, com os dedos. Talvez assim te mantenhas por perto durante mais tempo.

Já reparaste como o tema é recorrente? É o tempo, é sempre o tempo.


terça-feira, 18 de março de 2008

da idade adulta, 1ª parte.


Corredores 
© Sílvia Dias
(2008)



Naquele dia que ainda não recordas, abrirás a mente pela última vez. E cederás finalmente à cadência crescente do corpo que ainda não tens.