domingo, 18 de novembro de 2007

adolescente


sem título
© Sílvia Dias
(2006)


Eu nunca te amei, porque não pude. E tu sempre me amaste, sem querer.





domingo, 7 de outubro de 2007

mutilação e outras dores


mutilação e outras dores 
© Sílvia Dias
(2007)



Não nego que há razões para me sentir tão . Não é original, mas encaixa perfeitamente em mim. Nesta que sou esta noite. Não o nego, mas porque é que insistimos em alimentar tamanha dor? Mantenho o quarto fechado, sem luz e com uma deficiente circulação de ar. Deixo o monstro crescer. Sou eu.

Não te pedi que fosse assim e também não me arrependo que assim seja. Afinal, que sei eu sobre cruzes e mártires? Sei que tu te manterias pregada à tua, mesmo que tivesse a perfeita lâmina para te cortar as amarras. Queria saber apagar memórias, lamber feridas, cortar gangrenas. Podia-te curar os pulsos e todos os pedaços de carne que tens mutilado. Traços finos com lâminas enferrujadas, sem regras de simetria. Rompes a fina pele com o mesmo sentido caótico que te rompeu a alma – e ela existe mesmo? Mas que tenho eu para te ensinar se nunca saí deste útero? Sou um parto que nunca aconteceu. Seja lá o que isso for.

O frio ainda não chegou em força, mas por aqui já puxamos as meias até aos joelhos e enrolamos cachecóis de tecido polar ao pescoço. Quando é que este sótão se tornou tão glacial? Lembro-me que era Verão e que precisava de ventoinhas para conseguir dormir. Hoje não posso passar a noite sem o edredon de penas. O meu corpo deixou de se aquecer pelos métodos naturais, talvez tenha morrido na ponta de uma das tuas lâminas.

Gostava de ter sido como a Frida Kahlo. Ainda há tempo?



quinta-feira, 30 de agosto de 2007

auto-intitulado


auto-retrato
© Sílvia Dias
(2007)



Se não pretendes permanecer até ao fim dos teus dias, não me persigas.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

destroços em vidro martelado


A Face Oculta
© Sílvia Dias
(2004)


Os destroços de uma vivência de anos são facilmente perceptíveis.

[...]

Neste chão de vidro martelado podemos espalhar as mágoas acumuladas durante todos estes anos. Podemos escrever novas promessas eternas, daquele
Amor que aprendemos com Antero, com massa de contorno negra. E criar borrões coloridos com as tintas que deixámos esquecidas num tempo onde era tudo mais fácil, mas aparentemente difícil. Faltava-nos a experiência das sucessivas quedas. Daqui para a frente contamos apenas connosco para regressarmos à posição inicial. Cada uma por si. Já sei que não me vais estender a mão, porque nem sequer me verás cair. Não te será permitido, faz parte das regras. Devias ter lido todas as entrelinhas do acordo que fomos estabelecendo ao longo dos anos. Sete. Mas eu vou sentir a tua falta em todos os álbuns de fotografias, em todos os pedaços de papel que guardam as tuas palavras dedicadas.

Desisto de ti no momento em que me fizeres sinal.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

pecados inconfessáveis


Room Service 
©
Gonçalo Sítima
(2008)


Habituei-me a ter-te aqui, nesta preguiça eterna que se arrasta lentamente, como é desejável. Os lençóis da cama e as almofadas do sofá adaptaram-se às formas dos nossos corpos atirados, tal é o peso da lassidão. Aguardam-nos mais sessões cinematográficas, mais delírios de carne e de sangue. Aguardo-te eu, de punhais escondidos nas mangas das camisolas demasiado compridas, que fui acumulando no fundo do quarto. Iremos saborear maki-sushi e sashimi. Pequenos pecados nipónicos envoltos em auras exóticas. Eróticas. Iremos apertar o arroz nas nossas mãos e montar cada pedaço do nosso papel de cenário, em tons de algas secas.

Queres que prenda o cabelo, da forma que gostavas de me ter ensinado? Queres que me cubra com o vestido de tule e calce os sapatinhos de bailarina? Depois montamos o tripé, acendemos a luz e deixamo-la penetrar o obturador. E fingimos que estamos vivos, escondendo as chagas e os punhais de sangue.




quinta-feira, 26 de julho de 2007

o tempo que se apaga


sem título
(Carnaval de 1992 - Arganil)

© Branca Dias


Recordo vagamente as horas que passou lá por casa. Corridas no terraço e birras ciumentas. As birras serão sempre minhas. Recordo as primeiras palavras e os números que me assustavam (que ainda assustam). Mas recordo pouco. Não queria perder a memória com o arrastar do tempo, mas acho que a sua imagem se foi tornando difusa ainda antes de partir. Até a última vez que nos cruzámos se apresenta nublada na minha mente – enchi a memória de pormenores banais, de pessoas vazias, para te roubarem o lugar. Não ousei tocar-lhe o rosto, mas sei que devia. Era o beijo da despedida, aquele que nunca existiu. Éramos inocentes e meninos. Hoje sou mulher e ele vem em biquinhos dos pés, no seu entusiasmo adolescente onde o seu tempo parou, espreitar-me por cima do ombro. Hoje mantenho-me criança e podia correr novamente pelo terraço. E fazer beicinho.